Recuperação judicial cresce 80% no setor agropecuário
Pequenos e médios se tornam dependentes de negociação com gigantes fornecedoras; advogado especialista na área, Hanna Mtanios teme efeito cascata
O número de pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário teve um aumento de aproximadamente 80% em 2024 no comparativo anual, conforme dados da Serasa Experian. Alta nos custos de insumos, intensificação das dificuldades financeiras e condições climáticas adversas estão entre os principais fatores que levaram a essa crise no setor. Nesse contexto, a recuperação judicial emergiu como uma medida viável para os produtores que buscam reorganizar sua situação financeira e garantir a continuidade das atividades no campo. “É preciso que eles se mantenham no mercado e para isso eles têm que buscar os remédios legais existentes. E hoje o que vejo é apenas a recuperação”, aponta o advogado Hanna Mtanios, especialista em recuperação judicial.
Para ele, pequenos e médios produtores tendem a ser os mais afetados, pois dependem das negociações com gigantes fornecedoras, nas quais entram em desvantagem. “Os grandes produtores, por negociarem em maior volume, acredito que vão conseguir negociações melhores, prazos melhores, com as gigantes que fornecem insumos, implementos agrícolas, em razão do tamanho do endividamento”, aponta Hanna Mtanios, lembrando que esse tamanho, naturalmente, foi gerado por grandes negócios anteriores. “As relações são diferentes. O pequeno e o médio acabam se tornando dependentes dessas tratativas. O advogado acrescenta que é possível que esse grande número de recuperações judiciais, nos pequenos e médios produtores, gere um efeito cascata entre os pequenos fornecedores de produtos, que, por sua vez, dependem do sucesso dessas recuperações para o sucesso dos seus negócios.
Hanna Mtanios avalia que não há políticas públicas voltadas para o auxílio do agronegócio nesse contexto. “Não vejo o governo se movimentar nesse sentido. O que temos é a lei de recuperação judicial, um favor legal que é dado ao empresário em dificuldade, seja ele do agronegócio ou não, de pedir recuperação judicial e ter uma chance de renegociar suas dívidas”, explica o especialista. Ele aponta que é preciso que o governo federal gere linhas de créditos com qualidade e juros menores, para que esses produtores possam se recuperar naturalmente, honrar seus compromissos e evitar esse efeito cascata que pode acontecer, tanto para os pequenos, para os médios, como para os grandes produtores. “É preciso que o agronegócio sobreviva e para isso, se não houver outras políticas, o caminho naturalmente pode ser o da recuperação judicial”, analisa o advogado.
*Bancos*
O aumento do número de recuperações judiciais no agronegócio não é bem recebido pelas instituições financeiras, que querem receber seus créditos. “Ninguém quer ser submetido aos efeitos de recuperação, deságio, parcelamento, alongamento da dívida. Todos querem receber na forma como negociaram, mas infelizmente, quando se vê impossibilitado de fazer o pagamento, o produtor é socorrido pelo remédio legal, a recuperação judicial”, observa Hanna Mtanios. Esse crescimento nos casos já provoca um efeito de dificultar a concessão de créditos para o setor e estabelecer mais garantias, o que piora o cenário. “É preciso evitar falências, que são muito piores do que as recuperações judiciais, porque a falência encerra o negócio. Recuperação judicial, não. Ela possibilita manter a atividade, a fonte produtora de renda, de riqueza, os empregos”, compara.
Por fim, o advogado avalia que cada caso deve ser avaliado com cautela e de forma pontual e responsável por um advogado para saber se há perspectiva de um bom resultado para a recuperação judicial. “Isso depende de vários fatores, como a existência de créditos que não se sujeitam à recuperação judicial em volumes muito elevados em relação à dívida total, o que pode tornar essa medida inviável”, pontua Hanna Mtanios, acrescentando que há outras alternativas judiciais, como revisões dos contratos e dos juros e outras formas de discutir judicialmente.