Tarifaço: tiro sai pela culatra e favorece o agro brasileiro

Wandell Seixas
O presidente Donald Trump anunciou no último dia 2 um novo e agressivo regime tarifário, marcando o que chamou de “Dia da Libertação” econômica americana. A medida impõe tarifas “recíprocas” de pelo menos 50% do valor das tarifas aplicadas por outros países a bens norte-americanos, configurando a maior alta tributária dos EUA em 95 anos — comparável apenas às de 1930 e 1828, que historicamente antecederam depressões econômicas. O Brasil agrário, que já vive situação de desconforto com o governo Lula, demonstrou aflição num primeiro momento.
Para commodities agrícolas como soja e milho, os efeitos do novo pacote tarifário americano são complexos. No caso da soja, a China — principal compradora global — já reduziu sua dependência da oleaginosa norte-americana em 35% no último ano, e a tendência é que essa redução continue. Com uma safra recorde no Brasil, o país sul-americano vem ganhando participação no mercado internacional, o que tende a aumentar os estoques dos EUA e pressionar os preços na bolsa de Chicago para níveis mais competitivos.
O cenário do milho segue a mesma lógica. A boa safra brasileira, somada à menor demanda internacional — especialmente da China, que reduziu suas importações de 23 milhões para apenas 8 milhões de toneladas neste ano – pode resultar em maior disponibilidade interna nos EUA, o que também pode pressionar os preços do cereal.
Apesar dos primeiros sinais, ainda é cedo para dimensionar todos os impactos do novo regime tarifário. O mercado permanece em busca de equilíbrio e os países analisam como irão reagir. Já há indícios de resposta: a China anunciou tarifas retaliatórias de 34% sobre todas as importações americanas a partir de hoje, incluindo a soja. Ainda não está claro se essa nova alíquota substituirá os 10% já em vigor ou se será somada, elevando a tarifa total para 44%. Com a inclusão de outros impostos — como o VAT de 9% e uma tarifa de 3% — o custo efetivo pode chegar a cerca de 60%, o que deve agravar ainda mais a tendência de substituição da soja americana pela brasileira.
Goiás, um dos estados brasileiros líderes na produção agropecuária, a reação foi imediata. Dirceu Borges, pecuarista e superintendente do Senar, órgão vinculado à FAEG, hoje minimiza o quadro. Ele vê saída, por exemplo, para a carne, “uma das mais baratas do mundo. Então, nós vamos vender pra eles”, vislumbra. Se as medidas dificultam os meios de produção americana, o cidadão tem que se alimentar. E na área de grãos, carnes o Brasil tem o que oferecer, inclusive em termos de qualidade, acentua Dirceu.
O Brasil ganha espaço cada vez mais nas exportações, algo em torno de 27%, podendo chegar a 30% ainda este ano.
Reciprocidade
A recente aprovação da chamada Lei da Reciprocidade (PL 2088/23) pelo Congresso Nacional, em resposta às novas tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, pode representar um novo marco na política comercial do país. A medida, que aguarda sanção presidencial, autoriza o Brasil a adotar contramedidas contra barreiras comerciais consideradas injustas — como sobretaxas, suspensão de acordos e até a interrupção de direitos de propriedade intelectual.
Para Marcelo Costa Censoni Filho, da Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária, a nova legislação tem potencial para proteger o agronegócio brasileiro, setor frequentemente impactado por exigências e tarifas abusivas em mercados internacionais. “A lei cria um instrumento jurídico claro e efetivo para o Brasil reagir a práticas desleais, oferecendo mais segurança aos exportadores”, afirma.
O texto aprovado prevê que eventuais retaliações sejam proporcionais ao impacto sofrido e que o governo esgote as vias diplomáticas antes de adotar medidas mais duras. Segundo Censoni, esse cuidado é “fundamental para evitar consequências indesejadas, como retaliações em cadeia ou o comprometimento da imagem do Brasil como parceiro comercial confiável”.
Ele lembra que o agronegócio já enfrenta barreiras como a nova “Lei Antidesmatamento” da União Europeia e que, diante desse cenário, o simples fato de existir uma legislação como a Lei da Reciprocidade pode funcionar como um fator dissuasório, desestimulando novos entraves. “É um avanço, mas o uso da lei exigirá cautela. Precisamos proteger nossos interesses sem alimentar disputas que possam prejudicar a economia como um todo”, pondera.